O empregador pode fazer inspeção na casa do teletrabalhador?

Certamente uma das principais consequências da pandemia da Covid-19 foi a imposição para empregados e empregadores do trabalho em home office ou teletrabalho. Ocorre que a maioria das pessoas não estavam preparadas para trabalhar fora empresa, em especial por conta da ausência de equipamentos adequados e de diretrizes claras para realização do trabalho remoto.

De toda sorte, pesquisas apontam que boa parte dos profissionais gostariam de continuar no home office¹.

Por diversos fatores o home office pode ser vantajoso para as partes envolvidas, mas é importante ficar claro que o empregador tem responsabilidade pela saúde do empregado, seja no trabalho presencial ou remoto, por expressa previsão legal da Constituição Federal de 1988, CLT e da Lei 8.213/91 (que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social).

Transcrevemos, exemplificativamente, o artigo 75-E da CLT, que faz parte do capítulo de teletrabalho:

Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.

De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, se o empregado que atua em regime de teletrabalho tiver uma lesão decorrente de esforços repetitivos, por exemplo, o empregador poderá ser responsabilizado. Portanto, a empresa não só pode, como deve, fornecer os equipamentos adequados, realizar treinamentos e fiscalizar os aspectos relacionados à saúde e segurança de seus empregados.

Nesse contexto entendemos que o empregador pode fazer inspeção especificamente no local de trabalho do teletrabalhador, pois o direito à privacidade não é absoluto. Lembra-se que um direito fundamental pode ceder diante de outro, mediante ponderação de valores. Há de se considerar que nesta situação, há de um lado figura o direito à privacidade e intimidade, e de outro o direito à saúde e segurança – ambos do próprio trabalhador, sendo, no nosso sentir, a saúde mais importante.

Seguindo essa linha de raciocínio, sem efeito vinculante, durante o XIX Congresso Nacional dos Magistrados do Trabalho – XIX CONAMAT, foi editado o Enunciado 23 que trata dos limites à fiscalização quando do regime de teletrabalho, especialmente das visitas de inspeção, o que fez nos seguintes termos:

23.TELETRABALHO. FISCALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE LABORAL. OBRIGAÇÃO DO EMPREGADOR. LIMITES SEMPRE QUE O TELETRABALHO SEJA REALIZADO NO DOMICÍLIO DO TRABALHADOR, A VISITA AO LOCAL DE TRABALHO PARA FINS DE FISCALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE LABORAL, DEVERÁ SE DAR: (I) com a anuência e presença do empregado ou de alguém por ele indicado; (II) a visita ao local de trabalho só deve ter por objeto o controle da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho; (III) em horário comercial segundo os usos e costumes do local; (IV) com respeito aos direitos fundamentais – intimidade e vida privada – do empregado.

Vale também citar o artigo 158, inciso I, da CLT, que determina que cabe ao empregado, em colaboração contínua com a empresa, observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive sob pena de configurar ato faltoso a recusa injustificada. Outrossim, o regime de teletrabalho previsto no artigo 75-B da CLT pressupõe a concordância do empregado, o que reforça a ideia de que ele deve colaborar com o empregador na manutenção das melhores práticas de segurança no trabalho à distância.

Por fim, deve existir uma política específica, devidamente consentida pelo teletrabalhador, prevendo o fornecimento do mobiliário e equipamentos necessários ao desempenho adequado das atividades, bem como regras claras para inspeção do posto de trabalho, de forma a preservar a saúde, intimidade e privacidade do empregado. 

¹ https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2020/06/07/mesmo-trabalhando-mais-86percent-dos-profissionais-gostariam-de-continuar-no-home-office-diz-pesquisa.ghtml

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