A responsabilização do gestor e administrador de Fundo de Investimentos em Participação na Justiça do Trabalho

Fundos de investimento em participações (FIP) têm se consolidado como uma modalidade de aplicação com boa rentabilidade para investidores com maior disposição ao risco: segundo a revista Exame[1], tais fundos registraram uma captação líquida de R$ 84,7 bilhões em 2018. Uma consequência deste crescimento, contudo, é o reconhecimento cada vez mais comum pela Justiça do Trabalho de grupo econômico entre o FIP e seu administrador, bem como gestor, com a consequente condenação solidária entre eles pelos débitos trabalhistas das empresas investidas, as quais, por vezes, são companhias em busca de reestruturação e que já se encontram em situação de stress financeiro.

Cita-se, por exemplo, decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco, que em 24/10/2018, ao julgar o processo nº 0001304-28.2017.5.21.0002, atribuiu responsabilidade patrimonial solidária ao administrador do FIP, sob o fundamento de que “o que importa, de fato, para a caracterização do grupo econômico [no direito do trabalho], é o gerenciamento de recursos da atividade econômica” e que “tal caracterização torna-se ainda mais forte quando tais sociedades empresariais são comandadas por pessoas que, embora investidas sob o manto de pessoas jurídicas distintas, demonstram inegável caráter coordenador e controlador de atos destinados a um único fim: fomento de lucros na empresa controlada que assina a CTPS de todos os trabalhadores”.

Já o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, em 26/08/2019, ao analisar a situação do gestor do FIP naqueles autos (processo nº 0010288-89.2018.5.03.0091), também entendeu por condená-lo solidariamente, sob o mesmo fundamento de grupo econômico trabalhista, sustentando que “a despeito de o art. 2º, § 2º, da CLT fazer alusão ao controle de uma empresa por outra para a caracterização de grupo econômico, a jurisprudência vem entendendo que basta a prova de relação de coordenação entre as empresas”.

Ocorre que os tribunais trabalhistas não têm observado que tanto o administrador, como o gestor de fundo de investimentos em participação são meros prestadores de serviços para os cotistas, pessoas físicas e jurídicas que são de fato os titulares do investimento.

Nos termos do artigo 3º da Instrução nº 555 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), “o fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituída sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros”. Para que esse ente despersonalizado possa funcionar regularmente, deve-se, por obrigação da Instrução nº 578/2016 da CVM, contratar prestadores de serviço, entre eles o gestor e o administrador.

Tais prestadores recebem remuneração pelos serviços prestados estabelecida em contrato firmado com o FIP e têm suas obrigações expressamente previstas na Instrução nº 578 da CVM. Caso um prestador de serviços não exerça bem seu trabalho, seu contrato pode ser rescindido e um novo prestador poderá assumir a prestação do serviço. Trata-se de decisão unilateral dos cotistas do FIP.

E este é o ponto fulcral que demonstra a ausência de responsabilidade dos prestadores de serviços, pois, muito embora tenham o poder de gestão e administração do FIP (limitado pela regulamentação da CVM), estes não recebem o lucro do investimento, mas tão somente a remuneração ajustada pela prestação de serviços. Em outros termos: da mesma forma que o administrador e o gestor não recebem o benefício de um eventual resultado positivo do investimento, também não deveriam assumir nenhum risco da atividade econômica.

Corroborando essa lógica, em 20 de setembro de 2019, foi incluído o artigo 1.368-E no Código Civil, por meio da Lei nº 13.874/19 (Declaração de Direitos de Liberdade Econômica), o qual prevê expressamente que os prestadores de serviço não respondem pelas obrigações legais e contratuais dos fundos de investimento.

É preciso ressaltar que o patrimônio do FIP não se confunde com o patrimônio dos prestadores de serviços, seja do custodiante, administrador, gestor, advogados ou qualquer outra parte. Assim, o patrimônio do fundo pertence a seus cotistas, sendo calculado com base no valor das empresas nas quais o FIP investe. Aliás, atualmente, existe a possibilidade de se estabelecer a limitação da responsabilidade de cada um dos investidores do fundo, em conformidade com o artigo 1.368-D, inciso I, do Código Civil.

Por óbvio que o empregado não pode suportar os riscos da atividade econômica, contudo, diante dos supracitados argumentos, são os cotistas dos fundos de investimento, e não os prestadores, que devem responder subsidiariamente pelos débitos trabalhistas das empresas investidas, por meio de regular incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Portanto, espera-se que o artigo 1.368-E do Código Civil apazigue as controvérsias surgidas em torno do tema na Justiça do Trabalho, consolidando o entendimento que o gestor e o administrador de fundos de investimentos em participação não são responsáveis pelas obrigações trabalhistas das empresas investidas.

[1] https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/fundos-tem-captacao-liquida-de-r-847-bilhoes-em-2018-queda-de-68/

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